Olhar o passado: ao contrário de o lamentar e sofrer, temos que o transformar numa fonte de alegria, por pior que ele tenha sido.

QUEM VEM LÁ?...


Ponte sobre o Rio Capoche

Aldeamento
junto ao
mesmo
Capoche





QUEM VEM LÁ?
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Com a chegada do nosso Batalhão (B.Caç. 2842) à ZOT de Tete coube à C.Caç 2358 a zona de acção do Bene. Era uma extensa área que se estendia desde o Norte da Chiuta até à fronteira com a Zâmbia. Com a sede instalada no Bene a Companhia ainda destacava dois pelotões mais para Norte, um para o Tembué e outro para Cassacatiza, este último reforçado com tropas africanas.
Dos antecedentes, raros casos de conflito se conheciam, contudo, após a chegada dessa Companhia, o aquartelamento fora atacado duas vezes. Um grupo de combate sofreu uma emboscada e alguns fornilhos foram accionados por viaturas que só sofreram danos materiais.
Passados três meses e com a chegada do Bat. Cav. 2850 em Set/68, o Comando instalou-se no Bene, tendo a C.Caç. 2358 sido transferida para o Tembué mais a Norte.
Para reforço deste Comando foi criada uma Companhia suplementar com efectivos de outras Unidades já instaladas no Sector: 1 Pelotão da C.Caç. 1710 (Vila Coutinho), 1 Pelotão da C.Cav. 1728 (Moatize) e um Pelotão da C. Caç. 2359 (Vuende).
É para esta subunidade que o meu grupo de combate é destacado - 4º Pelotão da C.Caç. 2359.
A região do Bene incutia respeito, a actividade inimiga tinha-se feito sentir anteriormente e nós ainda "checas" novatos, sentíamos um certo nervosismo que no entanto, foi passando com a convivência com os outros camaradas muito mais velhos que nós.
Numa das saídas nocturnas efectuadas nesse período, ocorreu este episódio, um pouco caricato, mas que poderia ter resultados bem trágicos e talvez o lamentar a perda de alguns camaradas.
A missão era cercar uma aldeia a Norte da pista de aviação do Bene, situada entre os rios Luangua e Luia, capturar alguns elementos suspeitos de colaborarem com o IN e até afectos a algum grupo armado. Durante o dia, instalados em viaturas, efectuou-se dissimuladamente o reconhecimento de parte da picada que ligava o Bene ao Tembué e localizou-se o trilho de acesso à dita povoação. Concluída esta fase regressou-se ao quartel e esperou-se pela noite para iniciar a tarefa.
Foram destacados para esta missão dois pelotões: um pelotão da C. Cav. 1728, outro, o meu, da C. Caç. 2359. Para evitar que o ruído das viaturas denunciasse a nossa presença, desta vez a aproximação ao local fez-se a pé. A noite, bastante escura, facilitava a progressão e o ritmo da marcha era elevado. Chegados ao local de onde partia o trilho que nos levaria até à aldeia, fez-se um breve descanso para retemperar energias e rever estratégias.
Dois pelotões formavam uma coluna bem extensa. Na frente desta ia o pelotão da 1728, comandado pelo Alferes Abrantes, já com mais de um ano de comissão; dispunham já de outro traquejo, o que não se passava com o meu pelotão, apenas com cinco meses e comandado pelo Alferes Graça; por norma nas deslocações do meu pelotão, o Alferes tomava a dianteira e eu fechava a coluna; desta vez manteve-se a regra.
A progressão, agora no trilho, era bem mais complicada do que na picada. A escuridão era total e o capim, por vezes, também dificultava a visibilidade do camarada da frente. Como a marcha continuava em ritmo acelerado ás vezes obrigava os últimos da coluna a correrem para recuperar certas quebras.
Embrenhados no mato há já alguns quilómetros, comecei a sentir ruídos atrás de mim. Primeiramente uns sons abafados para depois se começarem a ouvir com mais nitidez. Eram passos de alguém que nos seguia. Preocupado com a situação ordenei ao camarada da frente que em passa palavra mandasse parar a coluna, só que esta não parava, com quarenta elementos ou mais e com as dificuldades já descritas, dificilmente a ordem chegaria à cabeça da coluna. Eu não podia parar, parar ali, representava ficar isolado com um ou dois elementos. A inquietação e o nervosismo começavam a tomar conta de mim e até o medo… Que fazer? Continuar ou disparar umas rajadas. Alerto o elemento da frente e preparámo-nos para fazer fogo. Já com os dedos nos gatilhos, deu-me para berrar ­­ – Quem vem lá?
Quando esperava ouvir tiros como resposta, eis que uma voz entoa na escuridão, era a voz do Furriel “Seven”. Inacreditável, como era possível, se ele com a sua secção ia à frente?! Como é que agora me aparecia por trás?!
Tinha que haver uma justificação, o forte ritmo imposto pela dianteira, o trilho estreito com o capim por vezes alto e a quase nula visibilidade, teriam originado uma quebra na coluna. Eventualmente uma bifurcação de trilhos fez o resto.
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Narrado por:
Joaquim santos