Olhar o passado: ao contrário de o lamentar e sofrer, temos que o transformar numa fonte de alegria, por pior que ele tenha sido.

MAJOR LACERDA - MINAS EM VUENDE - AS POPULAÇÕES

.
.
Picada entre
Vuende e
Furancungo
.
.
.
.
.
.

.
.
O Major Lacerda
Vivi com ele 4 anos na Academia Militar e E.P.I. e sabia que era um homem muito desembaraçado física e intelectualmente. Só não sabia é que era um homem tão determinado a ponto de pedir para ser punido só porque não queria continuar a servir naquele Batalhão e ainda que tinha, na vida, o objectivo de marcar a diferença.
Todos sabíamos que o percurso entre FURANCUNGO e VILA GAMITO era perigoso fundamentalmente pela probabilidade de ser encontrado um engenho explosivo.
Um dia em FURANCUNGO disse-me: Amanhã vou a VILA GAMITO. Eu sabia que estava prevista uma coluna para o dia seguinte e achei natural que ele quisesse ir.
Só que ele esclareceu-me dos seus intentos: "Toda agente pode ir numa coluna e isso não tem graça. Eu vou meia hora antes da coluna e vou de jipe sozinho." Tentei dissuadi-lo apontando o risco de pisar uma mina. Não consegui. A tese dele é que se fizesse o percurso de jipe fora dos trilhos não pisaria nenhuma mina, já que o In, normalmente coloca os engenhos explosivos nos trilhos para serem pisados. E ele queria testar esta teoria.
Só me pediu que não comunicasse ao Comandante antes de ele ter seguido.
O que é certo é que ele chegou são e salvo a VILA GAMITO e a 1ª viatura da coluna que o seguiu algum tempo depois accionou um fornilho
Tenho por ele uma admiração grande
.
Narrado por:
Coronel
Dias Marques
.
.



Uma das
Berliet
minadas
.
.
.
.
.
.
.
.
.Engenhos explosivos nas picadas de VUENDE.VUENDE - Ficava a cerca de 30 kms de FURANCUNGO. As ligações entre estas duas povoações fazia-se com alguma descontracção já que há alguns meses não se verificava qualquer acção inimiga naquele itinerário.
Eis senão quando a 23 de Out./69, uma viatura da C. Caç. 2359, accionou um engenho explosivo na picada que liga as duas povoações, ficando a viatura inoperante. O Cmdt da C.Caç 2359 fez sair outra viatura para promover a evacuação da viatura acidentada, mas no percurso também esta accionou um novo engenho explosivo e ficou também inoperante.
Não tinha a C. Caç 2359 mais nenhuma Berliet, pelo que pediu ao Comando que enviasse viatura de socorro para rebocar as viaturas acidentadas. Mas também esta 3ª viatura pisa um engenho explosivo e como as anteriores fica paralisada. Sai uma 4ª viatura de FURANCUNGO e, apesar das instruções para picarem bem a estrada para evitar novos desaires, também esta 4ª viatura fez explodir mais um fornilho.
E assim, em menos de 24 horas, o In, que já há muito tempo colocava engenhos explosivas naquela picada e que já não se manifestava na região de VUENDE há mais de 7 meses, com muita perícia surpreendeu-nos da pior maneira, não só privando-nos de 4 viaturas tão preciosas e tão necessárias, mas também porque nos criou insegurança obrigando-nos no futuro a tomar todas as precauções quando transitassemos naquele itinerário.
E o In voltaria a marcar presença passados meses, a 5 de Fev./70, desta vez na picada VUENDE-BENE um pouco antes da missão do Chiritse, agora mais dramaticamente, dado que utilizou minas anti-carro muito mais potentes que os fornilhos utilizados em Outubro e dotadas de sistema de retardamento da espoleta, causando além da destruição de 2 viaturas, pesadas baixas nas tropas da C. Caç. de VILA MANICA que actuavam ali em intervenção.
Foi assim:
- Às o7H45 - Detectada e destruída voluntariamente uma mina anti-carro.
- Às 10H20 - Accionada uma mina A/C pelo rodado traseiro da 2.ª viatura (Unimog) da coluna, que causou 2 mortos, 4 feridos graves e 4 feridos ligeiros.
- Às 11H20 - Accionada uma mina A/C pelo rodado traseiro da 4ª viatura (Unimog) que recolhia os feridos a VUENDE, causando mais 1 morto, 1 ferido grave e 4 feridos

Narrado por:
Coronel
Dias Marques







O Veloso foi duas vezes ao ar, mas manteve-se sempre em pé
.
.


Hélio
prepara-se
para uma
acção
.
.
.
.
.
.
.
.
Casualidades:. Em Outubro, naquele triste dia 23, era eu que estava imcumbido de comandar a coluna de reabastecimento a FURANCUNGO. Já tinha escalado o pessoal para a escolta e até requisitado as rações de combate para saírmos o mais cedo possível. Só que o Fur. Milº Veloso ao ter conhecimento da coluna, abordou-me dizendo-me que precisava de ir a FURANCUNGO e que não havia necessidade de irem 2 sargentos, pois ele comandaria a coluna. Acontece que o Veloso estava de convalescença, teve uma hepatite e tinha estado internado 2 meses. Fiz-lhe ver que não podia comer ração de combate e fazer esforços, mas mesmo assim persistiu com a ideia e ele próprio foi comunicar a troca ao Capitão Cmdt da Companhia, que autorizou a troca.

Em Fevereiro, no trágico dia 5, eu não estava em VUENDE, tinha sido destacado para comandar as escoltas da mudança do Batalhão para TETE e desta vez para substituir o Fur. Milº Marques que estava adoentado.
Nessa tarde, depois de muitos kms a picar, a coluna fui sobrevoada diversas vezes por aviões T-6 e por helicópteros. Toda a gente estava apreensiva com tal guarda de honra e interrogava-se com o que se teria passado, seria em Vuende? Em Vila Gamito? Em Furancungo não podia ser, a direcção não condizia. Passadas 2 horas chegamos ao MATUNDO e aí é que ficamos a saber o que realmente sucedera.
.
Narrado por:
Joaquim Santos
.
.O Receio das Populações


FUMUS
Chefe de Aldeia
.
.
.
FURANCUNGO - Era uma pequena vila, colocada num planalto, com clima ameno e com algumas dezenas de casas. População branca, além da tropa, havia o Administrador e a Mulher, quatro cantineiros, dois dos quais também funcionavam como restaurante. A população nativa que existia, vivia em aldeias, nos arredores. Aos Domingos, havia, pois, pouco por onde escolher para nos distrairmos. Daí que a maior parte dos Domingos os passava a trabalhar, como se fossem dias de semana. Resolvemos por isso, eu e o Furrriel Milº Victor Cândido, aproveitar alguns Domingos para irmos de jipe fazer umas visitas às aldeias das imediações, falar com os respectivos chefes e entregar-lhes propaganda psicológica impressa em cartazes recebidos do QG/RMM.
Lembro-me que um dos chefes de aldeia que nos tinha recebido muito bem, agradeceu muito os cartazes que lhes entregámos para ele afixar nos melhores locais, para que toda a população pudesse ver e que até os achou muito bonitos.
Acontece que passadas 2 ou 3 semanas, quando por lá passámos de novo, não vendo nenhum cartaz afixado, fomos-lhe perguntar pelos cartazes e ele esclareceu-nos que os tinha arrecadado numa arca, porque eram tão bonitos que não queria que se estragassem.
Nós tínhamos ficado surpreendidos com a boa vontade com que ele nos aceitara os cartazes porque sabiamos, d antecedente, que as populações nativas tinham medo das represálias do In quando colaboravam com as NT. Ele, como os outros, não se dispôs a arriscar. Não afixou os cartazes, não deixou que ninguém suspeitasse que tinha os nossos cartazes e daí que a melhor solução que arranjou foi esconder os cartazes na arca.
E sorrimos porque achámos muito engenhosa a mentira dele: Em vez de confessar que, se expusesse os cartazes ficaria comprometido e sofreria represálias, achou mais inteligente mentir, dizendo que tinha metido os cartazes na arca para não se estragarem. Tivemos que respeitar a opinião. O homem tinha medo e não o podíamos condenar por isso, E nós não tínhamos meio de garantir a sua segurança.
.
Narrado por:
Coronel
Dias Marques
.


Aos Domingos
também havia
Batuque