Olhar o passado: ao contrário de o lamentar e sofrer, temos que o transformar numa fonte de alegria, por pior que ele tenha sido.

O INFORT. SOLDADO LUÍS - SOLDADO QUE SE PERDEU



Patrulha na fronteira
com o Malawi








O Soldado que se perdeu
.FREITAS - Era a localidade mais a norte do distrito de TETE. Situava-se mesmo junto à fronteira com a Zâmbia e com o Malawi.
Não me lembro se me desloquei duas vezes ou três.
Mas lembro-me que uma das vezes que lá pernoitei, já ao anoitecer, vi regressar do mato um pelotão duma Unidade de Intervenção, que tinha acabado de cumprir uma Operação na Zona de Acção atribuída ao pelotão de FREITAS. Tudo estaria bem se não acontecesse que o Alferes, que comandava o pelotão quando me viu, foi ter comigo, desesperado, porque já próximo do estacionamento, tinha dado pela falta de um dos seus soldados.
Compreendi perfeitamente o seu desespero, porque eu também fiquei desesperado.
Como é que tinha sido possível?
Estas coisas só acontecem quando uma série de factores negativos se reúnem e contribuem negativamente para o resultado: Depois de completado o percurso determinado, no regresso ao estacionamento, quando fizeram o último descanso de 10 minutos, o Soldado ainda estava com o pelotão
O Alferes, depois de interrogar os outros elementos do pelotão e muito especialmente o soldado que fazia parelha com o desaparecido, só pôde concluir que o soldado, naturalmente cansado, devia ter adormecido durante o breve descanso concedido, e não se apercebeu de que os outros tinham retomado a marcha. O soldado que fazia parelha com o desaparecido, entrara em conversa com outro elemento e não conferiu a presença do desaparecido, até porque não lhe passou pela cabeça que ele tivesse adormecido.
O Alferes entendeu que era mais aconselhável esperar pela manhã para sair em busca do soldado desaparecido, mas eu não fui da mesma opinião. Mesmo cansado, o pessoal do pelotão saiu imediatamente e só regressou duas horas depois, trazendo o soldado reaparecido, que coitado, tendo entretanto acordado e vendo-se sozinho, de noite, no meio do mato, em ambiente desconhecido e hostil, entrara em pânico e, naturalmente, se sentiu com uma nova alma quando foi recuperado.
Mas não apanhou para o susto, e estou convencido que nunca mais adormeceu no mato.
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Narrado por:
Coronel
Dias Marques
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Cenário provavel-
mente
idêntico ao da narrativa








A Triste história do Soldado Morgado Luís.
Quando se vai para uma guerra sabemos que vamos correr riscos. Esses riscos podem ser maiores ou menores conforme as guerras e conforme as circunstâncias. Na guerra do Ultramar as preocupações concentravam-se quase exclusivamente no risco de, eventualmente, se poder apanhar um tiro ou ser atingido pelo accionamento de uma mina.
A hipótese de um acidente, normalmente, não preocupava o militar, mas muito menos o preocupava a remota hipótese de se poder morrer afogado. Mas foi, infelizmente o que sucedeu ao Soldado condutor auto ANTÓNIO MORGADO LUÍS, de Torres Novas.
No dia 19 de Dezembro de 1969, tinha chovido muito e, em África, quando chove, chove a sério.
O Soldado Morgado Luís conduzia uma viatura Unimog, a última de uma coluna de reabastecimento que, da CASULA, regressava a FURANCUNGO.
A estrada - se estrada se pode chamar àquele itinerário - era estreita e naquele local colocava-se ao longo de uma encosta. Em determinado local, o excesso das chuvas tinha originado uma torrente que, vinda da direita atravessava a estrada.
Segundo me relatou o Soldado António José Aleixo Milheiras, do Seixal, que vinha no mesmo Unimog, ao lado do condutor, parecia que não havia grande risco e resolveram arriscar, até porque, se as viaturas da frente tinham passado, eles também poderiam passar.
Mas infelizmente não foi assim. Eventualmente, porque esta viatura não seguiu o mesmo trilho das anteriores, o Soldado Milheiras sentiu que a viatura estava a ser arrastada e, instintivamente, saltou para a direita, salvando-se, tendo ainda oportunidade de verificar que o Unimog tinha tombado do lado esquerdo inferior da estrada. Dado o alarme aos restantes elementos da coluna estes procuraram o camarada, chamaram por ele, mas nada conseguiram. Resolveram seguir para FURANCUNGO na busca de socorro.
Quando, já de noite o acidente me foi comunicado, seriamente preocupado, segui com o mesmo pessoal do Furriel Mendes e alguns voluntários, para tentar resgatar o Soldado Luís e a viatura.
Entretanto o caudal de água já se tinha dissipado. A cerca de 10 metros da estrada, descobrimos que, completamente enterrado na terra estava o Unimog, que, com muito trabalho desenterrámos e recuperámos. Durante toda a noite e até de madrugada foi tentado tudo o que nos parecia possível para encontrar vivo ou morto o Soldado Luís, mas sem resultado.
Passados 5 dias um nativo veio-nos informar que tinha encontrado o corpo de um militar. Saíu imediatamente uma patrulha para recolher o corpo, concluindo-se que tinha sido arrastado pela forte corrente, parando a mais de 6 kms da estrada. Mais tarde o corpo seria enviado para a Metrópole.
E eu presto aqui a minha homenagem a este Militar que, na guerra, faleceu vítima de um acidente estúpido.
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Narrado por:
Coronel
Dias Marques